domingo, 8 de fevereiro de 2009

Dalia Sofer


Dalia Sofer, uma escritora iraniana, fugiu para os EUA após a Revolução Islâmica dos aiatolás, que derrubou o xá Reza Pahlevi. Seu livro, Setembros de Shiraz é quase uma autobiografia, onde um pai de família judeu – Isaac Amin - é preso pelo regime, acusado de ser um espião israelense. O filho mais velho de Amin – Parviz - está nos EUA, dividido entre o mundo ocidental e oriental e enriquece filosoficamente a narrativa, visto que a solidão o faz refletir sobre diversos assuntos (como por exemplo no trecho do livro abaixo)

"Ele vai andando para a ponte do Brooklyn, atravessa e continua andando pela cidade, vendo os arranha-céus projetando suas sombras compridas nas calçadas e privando os pedestres dos últimos minutos da luz do sol. Nova York é uma cidade masculina, ele pensa, vertical e com arestas ásperas, sem as curvas da entrada de uma estação de metrô em Paris, por exemplo, ou o domo esmaltado de uma mesquita de Ifsahan. Nova York é toda aço e vidro, econômica e funcional. É uma cidade onde os círculos são raros. Ele traça na cabeça halos, anéis, rodas da fortuna, relógios, todos instrumentos de encarceramento, por um lado, e de esperança, por outro. Caminhando pelas ruas numeradas e as avenidas paralelas de Manhattan, Parviz diz para ele mesmo que o que falta nessa cidade é redondeza. E as pessoas que moram ali, empilhadas, não só lado a lado, mas também umas em cima das outras, sempre sem espaço, sem tempo e sem ar, pagando caríssimo por frestas de vento e morando no céu com seus cães e gatos, estão sempre seguindo pra cima, sem jamais retornar a elas mesmas.

Ele continua andando quando a noite cai, pára num restaurante para tomar café e comer ovos mexidos, observa os outros fregueses que vão ficando escassos à medida que as horas passam... famílias que viram casais e que encolhem para os solitários, aqueles que entram desarrumados, com seus jornais e livros, pedindo cheeseburguer com fritas e fingindo que é exatamente assim que desejam passar mais uma noite.

Por volta das três da madrugada, voltando para a ponte, Parviz passa pelo mercado de peixe Fulton, vê os caminhões de entrega, os caixotes empilhados e os peixeiros com os rostos cobertos de fuligem, aquecendo as mãos em pequenas fogueiras que ardem dentro de latas de lixo, negociando com os clientes. Nas ruas de paralelepípedos, manchadas de sangue e escorregadias, o cheiro dos portos, cheiro bem conhecido, faz Parviz se lembrar da cidade portuária de Ramsar à beira do Cáspio, não muito longe da casa de praia da família dele. Ele gosta do fato de estar acordado àquela hora e de poder sentir o cheiro do mar, e pensa que para entender o mundo e até para encontrar nele um alívio ocasional, as pessoas devem sempre alternar suas horas de sono, seu caminho para o trabalho, os lugares que freqüentam, os pratos que comem e até, talvez, as pessoas que amam."

Setembros de Shiraz – Dália Sofer (pág. 194)

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